quarta-feira, 4 de março de 2015

João

Postado por Bia Kollenz às 05:49
   Nem sempre as coisas foram fáceis para João. Na sua casa seus pais viviam brigando e sempre que ia a escola ficava encabulado perante novos amigos. Com sua timidez acabou distanciando os outros e se tornou um bocado sozinho. Quando ingressou na quarta série conheceu André e foi amizade à primeira vista.
   André era o típico menino gente boa. Falava com todos, tinha boas notas, muitos amigos, boas maneiras, mas o que André mais amava eram os livros. Ele adorava ler romances de suspense e aventura. Divertia-se com Julio Verne, se assombrava com Stephen King. Para ele mais mágico que os livros eram os escritores. Foi isso que ele viu em João.Um menino que era quieto, mas que por algum motivo adorava escrever. João escrevia para escapar da solidão, esquecer-se dos problemas em casa, rir quando estava um pouco triste. Se alguém ria dele na escola, João contava a história de um menino que ria dos outros e foi engolido por um buraco negro. Se seus pais discutiam e o mandavam para o quarto, pimba! Surgia um conto de pais que foram levados para marte por alienígenas. Apesar de ser um escritor vingativo nas horas vagas, João amava mesmo escrever. E ele era muito bom nisso.
   A amizade entre os dois surgiu de uma maneira simplória. André viu um menino lendo’ Volta ao mundo em 80’ dias e logo pensou “alguém que goste de ler, vou lá conversar!”. Quando se aproximou de João, viu que ele apesar de tímido gostava muito de livros, e também de aventuras, e de contar histórias. A conversa entre os dois fluiu, e a amizade surgiu quase que num passe de mágica. Passaram a sair juntos, ir às bancas de jornal após a escola comprar quadrinhos, recomendar livros e séries entre si e depois discuti-las juntos. A vida então passou não a ser mais fácil, mas ao menos ser mais divertida para João. Se as coisas ficavam pesadas ele agora tinha alguém com quem conversar.
  O grande problema veio quando os meninos mais velhos começaram a judiar de João. Para os outros meninos era incompreensível um garoto além de gostar de ler, ficar dizendo asneira como “vou ser um escritor” quando lhe perguntavam sobre o futuro. Impossível um Zé ninguém, magricela e esquisito, de uma escola de fim de mundo ser algum dia um escritor importante. João não se importava, mas André sim. Por seu amigo ser um cara até bem popular, João não era alvejado o tempo todo. As coisas consistiam mais em encontrões e bilhetinhos sem graça lançados na mochila dele. André perguntava quem tinha feito isso, João dizia “deixa para lá”.
   Mas um dia tudo mudou. Um idiota do time de futebol havia como sempre empurrado ele na escola, sua mochila se abriu, livros caíram. As coisas não teriam passado disso se o moleque não tivesse pegado seu livro favorito e pisado nele. Um livro pisado era coisa mais dolorosa d o mundo. Era o bastante para qualquer amante da literatura se revoltar. Ele então fez o que jamais tinha feito. Reagiu. Ele empurrou o menino de volta. O que rendeu a ele um soco na cara e o seu livro ficar todo rasgado e sujo na lata de lixo.
   Depois que tudo passou ele foi remexer no lixo. André chegou logo nesse momento. Viu a figura do amigo sangrando machucado e debruçado sobre o lixo. Seus pertences todos esparramados pelo chão. A cena foi de cortar o coração de André. Mas o que mais o incomodou foi o sorriso de dentes quebrados que João fez quando o viu. Doeu muito ver a alegria do outro menino quando ele chegou e o ajudou a guardar tudo que estava pelo chão. Esse sorriso nunca saiu da sua cabeça.
  Hoje em dia João escreve livros. Seu último se tornou um Best Seller. André vai sempre às reuniões de família, feiras literárias. Seus filhos são amigos. O tesouro mais importante da estante de João é o exemplar de ‘Volta ao mundo em 80 dias’ que André lhe deu quando o seu foi destroçado pelo artilheiro do time da escola. Mal ele sabia ao dar o presente a João, que o livro só era o seu preferido porque tinha feito a amizade entre os dois surgir.

   Quando as pessoas entrevistam João, ele diz que o momento mais importante da vida dele, o que o definiu como escritor, foi o dia em que ele, mesmo com os dentes quebrados e sujos de sangue, conseguiu sorrir. Porque nesse dia ele teve a certeza de que não só alcançaria os seus sonhos e faria todos pagarem por terem duvidado dele, como também viu que sempre alguém estaria lá para ajudá-lo. E esse alguém sempre seria o seu amigo, André. 

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