Minha mãe sempre me dizia que nomes tinham poderes. Que você podia
moldar cada coisa a sua vontade dependendo do seu nome. Os nomes também
definiam que tipo de pessoa você iria ser. Minha mãe também me ensinou que as
palavras estão ligadas com o nosso futuro, ela dizia “Filho, as palavras podem
modificar todo o nosso destino. Muito cuidado com o que faz e diz.”. Eu cresci
então com a estigma de me tornar grande, de acordo com o nome que havia
recebido em meu nascimento. Ainda não entendia muito bem o que ela queria me
ensinar quando me contou todas essas coisas. Foi só muito tempo depois que
aprendi.
Em minha aldeia havia todo tipo de pessoas. A diferença é que você sabia
muito bem o que alguém era dependendo de como vivia. Os gordos eram obviamente
ricos. Os maltrapilhos eram sempre pobres. Os instruídos eram nobres. Tive um bocado de sorte na vida. Minha
família não era rica, mas tínhamos a condição de nos sustentarmos bem numa
fazenda aos arredores da aldeia. Produzíamos trigo e cevada, as quais vendíamos
para os padeiros da região. Um trabalho árduo mas suficientemente lucrativo
para se viver. Apesar disso, meu sonho ainda era de morar na cidade grande. Viver em minha pequena aldeia não era o
suficiente para mim. Queria ser alguém maior. Fazer algo mais útil e lucrativo.
Ter um lugar de prestígio na sociedade.
Durante a minha infância pude conhecer um jovem professor. Ele que era
filho de nobres de uma pequena cidade distante acabou por passar um tempo em
nossa fazenda. Durante a sua estadia pude aprender a ler e escrever. Acredito
que isso acendeu em mim a centelha da ambição. Se nunca aprendesse a ler e
escrever, provavelmente não almejaria algo tão grandioso em meu futuro.
Foi durante a minha décima oitava primavera que tive a oportunidade de
finalmente partir. Me despedi de meus pais e segui rumo a cidade. Pretendia
trabalhar de ajudante para um padeiro amigo de meu pai. Ao partir, minha mãe me
lembrou de seus sábios ensinamentos. Afirmou que enquanto eu sonhasse e
acreditasse em mim conseguiria ir longe. Se usasse as palavras ao meu favor
poderia alcançar o que ninguém jamais alcançou. Eu sorri para ela e disse que
entendia o que quis me dizer. Então pude
partir em rumo a meus sonhos.
Quando cheguei a cidade logo me surpreendi com a amplitude das coisas.
As casas eram maiores. Os nobres mais ricos. As vestimentas mais elegantes. Até
as moçar pareciam mais viçosas e belas como as flores da primavera. Eu sentia
que ali se iniciava o primeiro de meus muitos passos. Acordava cedo para ajudar
a assar os pães, a tarde visitava o centro da cidade em busca de algum
entretenimento e aprendizado. Com o tempo subi de cargo dentro da padaria e ao
fim de três anos, com a morte do padeiro, havia herdado seu estabelecimento.
Tratei de usar o que havia aprendido com meus anos de experiência junto
de meu velho, e agora falecido amigo. Coloquei em pratica o que consegui
aprender e aumentei os lucros do estabelecimento. Ao fim de dois anos era rico
como um burguês. Dono de vários pequenos negócios.
Nisso, minha vida mudou. Passei a
trajar vestes elaboradas, buscar os melhores lugares e cortejar as mais belas e
ricas damas. Já não compartilhava o baixo balcão nos teatros. Apesar de estar
muito longe dos camarotes, já não fazia parte da ralé. Foi quando veio o meu
fim.
Fazia muitos anos que não visitava nem tinha notícia de meus pais.
Resolvi então que ao fim do mês iria viajar para minha antiga aldeia e assim passar
o verão junto deles. Estava para desposar uma bela e rica jovem e queria a
benção de minha mãe. Também acreditava poder trazê-los para viver junto de mim
na cidade, para que pudessem aproveitar um pouco da vida prospera que nunca
haviam usufruído.
Grande foi minha surpresa quando ao chegar em nossa antiga fazenda me deparei
com uma velha senhora. Ela me contou que fazia um ano desde que meus pais
haviam falecido e que ela tomara o lugar para si. Visivelmente abalado, fui
convidado para entrar. Ouvi sobre como uma doença havia atacado toda a aldeia,
e meus pais já idosos acabaram por sucumbir. Foi quando notei a mais bela
jovem, neta da senhora, dona de uma beleza sem igual. Nesse instante meus
planos mudaram. Não iria mais passar o verão com meus pais mas sim cortejando
aquela linda moça.
Tenho que admitir que minhas intenções não eram nobres. Apesar de encantado
com a neta da senhora, não pretendia assumir casamento. Já tinha minha noiva
rica na cidade. Subir na vida era tudo que almejava nestes tempos. Gastei meus
dias a fio e quando notei já era quase inverno e eu nada havia arranjado com a
pobre moça.
Foi quando a velha me fez uma proposta. Se prometesse fazê-la uma nobre
senhora, ela me ofereceria a mão de sua neta. Claro que no momento aceitei.
Apertamos as mãos em contrato e pude enfim usufruir do corpo da jovem e me
deleitar em sua beleza. Ao final da semana parti com a promessa de voltar dentro
de uma quinzena para finalmente despojar da neta e trazer para a cidade a velha
senhora.
Claro que menti. Quando cheguei a cidade continuei com a minha vida.
Quando se passou dois anos as coisas começaram a ruir. Eu que naquele tempo já
tinha um cargo no governo da cidade, me vi despejado do mesmo sem nenhuma
razão. Perdido o meu posto, vi logo após meus negócios irem a ruína. Minha bela
esposa faleceu ao dar à luz a nosso primeiro bebê, bebê este que nasceu
aleijado e veio a morrer antes de completar três meses de vida. Já na rua da
amargura, sem ter para onde ir, resolvi voltar a fazenda de meus pais. Havia me
esquecido de promessas antigas e acreditava que os moradores da casa já deviam
há muito ter debandado. Planejava ao chegar reclamar o terreno no meu direito
de herdeiro
Quando cheguei na casa pude ver que muito havia mudado. Grande parte da
estrutura havia se tornado ruína e as plantas ao redor agora eram podres e
mortas. Fungos cresciam nos troncos de velhas árvores. Insetos e vermes
pareciam se esbaldar num cadáver de um velho animal a muito morto por ali. O
susto foi imediato. Retomei a postura e resolvi verificar se havia algum
morador presente neste sombrio e fúnebre local.
Ao abrir a porta me deparei com uma velha decrepita, semelhante a uma
bruxa, que me recebeu com um sorriso. Me pediu desculpas e convidou a entrar.
Me ofereceu agua e pão. Disse estar muito triste pelo estado da casa. Contei a minha
história, e por mais que ela dissesse que sentia muito por mim não perdia a
estranha sensação de que ela se regozijava com tudo dito. Exausto então pela
viajem e pelas surpresas, concordei em dormir no velho catre do antigo quarto
de meus pais. Não tinha outro lugar para ir.
Na manhã seguinte me encontrei enjoado. Me sentia zonzo e doente. Passei
o resto do dia e da semana deitado no quarto. Tinha vários sonhos macabros e
visões fantasmagóricas durante todo momento. Delírios sempre me acometiam
quando tentava caminhar pelo quintal. Sempre parecia encontrar com novos corpos
de animais mutilados no jardim. Via abutres pendurados naquelas árvores
retorcidas. Todos os dias eram nublados e chuvosos. Quando melhorei um pouco vi
que um mês havia se passado e resolvi que era hora de partir daquele lugar que
tanto mal me fazia. Levantei silenciosamente quando o sol ainda estava
planejando nascer. Quando ia cruzar a porta, a decrepita bruxa apareceu. Agora
seu sorriso era grotesco e nítido. Enquanto meu rosto demostrava todo o pavor
que sentia ao me ver flagrado, ela me jogou dentro do porão. Encontrei então
com uma criatura anoréxica. O chão ao seu redor era cercado de ossos.
No escuro daquele cômodo ouvi com horror o que a velha me contava. A
bruxa nada mais era que sua bela neta consumida pelo ódio. Desde que muito eu
partira, a velha descobrira que a neta era praticante de artes negras e
ocultas. Cega pala raiva, a jovem resolveu se vingar da avó acusando-a de
tentar vendê-la por riqueza. Nove meses se passaram e a bruxa conseguiu o que
faltava para completar sua maldição. O que ela necessitava era de meu nome e um
pouco de meu sangue, o que conseguiu matando a criança carregada em seu ventre
durante todo o tempo em que planejava sua vingança. Sempre quieta e paciente.
Passou então a viver de bruxarias por encomenda. Sacrificava animais e
crianças, bebia sangue e cantava versos satânicos. Enquanto a velha esquelética
contava toda sua história, a bruxa chorava de rir nos andares superiores.
Ao final percebi o meu erro. Por causa de falsas promessas e palavras
toda a minha vida havia sucumbido. Agora eu era um escravo daquela bruxa malvada
até os últimos dias de sua vida, ou então até meu fim. O que viesse primeiro.
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