sábado, 7 de março de 2015

O poder das palavras

Postado por Bia Kollenz às 14:46
  Minha mãe sempre me dizia que nomes tinham poderes. Que você podia moldar cada coisa a sua vontade dependendo do seu nome. Os nomes também definiam que tipo de pessoa você iria ser. Minha mãe também me ensinou que as palavras estão ligadas com o nosso futuro, ela dizia “Filho, as palavras podem modificar todo o nosso destino. Muito cuidado com o que faz e diz.”. Eu cresci então com a estigma de me tornar grande, de acordo com o nome que havia recebido em meu nascimento. Ainda não entendia muito bem o que ela queria me ensinar quando me contou todas essas coisas. Foi só muito tempo depois que aprendi.
   Em minha aldeia havia todo tipo de pessoas. A diferença é que você sabia muito bem o que alguém era dependendo de como vivia. Os gordos eram obviamente ricos. Os maltrapilhos eram sempre pobres. Os instruídos eram nobres.  Tive um bocado de sorte na vida. Minha família não era rica, mas tínhamos a condição de nos sustentarmos bem numa fazenda aos arredores da aldeia. Produzíamos trigo e cevada, as quais vendíamos para os padeiros da região. Um trabalho árduo mas suficientemente lucrativo para se viver. Apesar disso, meu sonho ainda era de morar na cidade grande.  Viver em minha pequena aldeia não era o suficiente para mim. Queria ser alguém maior. Fazer algo mais útil e lucrativo. Ter um lugar de prestígio na sociedade.
   Durante a minha infância pude conhecer um jovem professor. Ele que era filho de nobres de uma pequena cidade distante acabou por passar um tempo em nossa fazenda. Durante a sua estadia pude aprender a ler e escrever. Acredito que isso acendeu em mim a centelha da ambição. Se nunca aprendesse a ler e escrever, provavelmente não almejaria algo tão grandioso em meu futuro.
   Foi durante a minha décima oitava primavera que tive a oportunidade de finalmente partir. Me despedi de meus pais e segui rumo a cidade. Pretendia trabalhar de ajudante para um padeiro amigo de meu pai. Ao partir, minha mãe me lembrou de seus sábios ensinamentos. Afirmou que enquanto eu sonhasse e acreditasse em mim conseguiria ir longe. Se usasse as palavras ao meu favor poderia alcançar o que ninguém jamais alcançou. Eu sorri para ela e disse que entendia o que quis me dizer.  Então pude partir em rumo a meus sonhos.
   Quando cheguei a cidade logo me surpreendi com a amplitude das coisas. As casas eram maiores. Os nobres mais ricos. As vestimentas mais elegantes. Até as moçar pareciam mais viçosas e belas como as flores da primavera. Eu sentia que ali se iniciava o primeiro de meus muitos passos. Acordava cedo para ajudar a assar os pães, a tarde visitava o centro da cidade em busca de algum entretenimento e aprendizado. Com o tempo subi de cargo dentro da padaria e ao fim de três anos, com a morte do padeiro, havia herdado seu estabelecimento.
   Tratei de usar o que havia aprendido com meus anos de experiência junto de meu velho, e agora falecido amigo. Coloquei em pratica o que consegui aprender e aumentei os lucros do estabelecimento. Ao fim de dois anos era rico como um burguês. Dono de vários pequenos negócios.
   Nisso, minha vida mudou. Passei a trajar vestes elaboradas, buscar os melhores lugares e cortejar as mais belas e ricas damas. Já não compartilhava o baixo balcão nos teatros. Apesar de estar muito longe dos camarotes, já não fazia parte da ralé. Foi quando veio o meu fim.
   Fazia muitos anos que não visitava nem tinha notícia de meus pais. Resolvi então que ao fim do mês iria viajar para minha antiga aldeia e assim passar o verão junto deles. Estava para desposar uma bela e rica jovem e queria a benção de minha mãe. Também acreditava poder trazê-los para viver junto de mim na cidade, para que pudessem aproveitar um pouco da vida prospera que nunca haviam usufruído.
   Grande foi minha surpresa quando ao chegar em nossa antiga fazenda me deparei com uma velha senhora. Ela me contou que fazia um ano desde que meus pais haviam falecido e que ela tomara o lugar para si. Visivelmente abalado, fui convidado para entrar. Ouvi sobre como uma doença havia atacado toda a aldeia, e meus pais já idosos acabaram por sucumbir. Foi quando notei a mais bela jovem, neta da senhora, dona de uma beleza sem igual. Nesse instante meus planos mudaram. Não iria mais passar o verão com meus pais mas sim cortejando aquela linda moça.
   Tenho que admitir que minhas intenções não eram nobres. Apesar de encantado com a neta da senhora, não pretendia assumir casamento. Já tinha minha noiva rica na cidade. Subir na vida era tudo que almejava nestes tempos. Gastei meus dias a fio e quando notei já era quase inverno e eu nada havia arranjado com a pobre moça.
   Foi quando a velha me fez uma proposta. Se prometesse fazê-la uma nobre senhora, ela me ofereceria a mão de sua neta. Claro que no momento aceitei. Apertamos as mãos em contrato e pude enfim usufruir do corpo da jovem e me deleitar em sua beleza. Ao final da semana parti com a promessa de voltar dentro de uma quinzena para finalmente despojar da neta e trazer para a cidade a velha senhora.
   Claro que menti. Quando cheguei a cidade continuei com a minha vida. Quando se passou dois anos as coisas começaram a ruir. Eu que naquele tempo já tinha um cargo no governo da cidade, me vi despejado do mesmo sem nenhuma razão. Perdido o meu posto, vi logo após meus negócios irem a ruína. Minha bela esposa faleceu ao dar à luz a nosso primeiro bebê, bebê este que nasceu aleijado e veio a morrer antes de completar três meses de vida. Já na rua da amargura, sem ter para onde ir, resolvi voltar a fazenda de meus pais. Havia me esquecido de promessas antigas e acreditava que os moradores da casa já deviam há muito ter debandado. Planejava ao chegar reclamar o terreno no meu direito de herdeiro
   Quando cheguei na casa pude ver que muito havia mudado. Grande parte da estrutura havia se tornado ruína e as plantas ao redor agora eram podres e mortas. Fungos cresciam nos troncos de velhas árvores. Insetos e vermes pareciam se esbaldar num cadáver de um velho animal a muito morto por ali. O susto foi imediato. Retomei a postura e resolvi verificar se havia algum morador presente neste sombrio e fúnebre local.
   Ao abrir a porta me deparei com uma velha decrepita, semelhante a uma bruxa, que me recebeu com um sorriso. Me pediu desculpas e convidou a entrar. Me ofereceu agua e pão. Disse estar muito triste pelo estado da casa. Contei a minha história, e por mais que ela dissesse que sentia muito por mim não perdia a estranha sensação de que ela se regozijava com tudo dito. Exausto então pela viajem e pelas surpresas, concordei em dormir no velho catre do antigo quarto de meus pais. Não tinha outro lugar para ir.
   Na manhã seguinte me encontrei enjoado. Me sentia zonzo e doente. Passei o resto do dia e da semana deitado no quarto. Tinha vários sonhos macabros e visões fantasmagóricas durante todo momento. Delírios sempre me acometiam quando tentava caminhar pelo quintal. Sempre parecia encontrar com novos corpos de animais mutilados no jardim. Via abutres pendurados naquelas árvores retorcidas. Todos os dias eram nublados e chuvosos. Quando melhorei um pouco vi que um mês havia se passado e resolvi que era hora de partir daquele lugar que tanto mal me fazia. Levantei silenciosamente quando o sol ainda estava planejando nascer. Quando ia cruzar a porta, a decrepita bruxa apareceu. Agora seu sorriso era grotesco e nítido. Enquanto meu rosto demostrava todo o pavor que sentia ao me ver flagrado, ela me jogou dentro do porão. Encontrei então com uma criatura anoréxica. O chão ao seu redor era cercado de ossos.
   No escuro daquele cômodo ouvi com horror o que a velha me contava. A bruxa nada mais era que sua bela neta consumida pelo ódio. Desde que muito eu partira, a velha descobrira que a neta era praticante de artes negras e ocultas. Cega pala raiva, a jovem resolveu se vingar da avó acusando-a de tentar vendê-la por riqueza. Nove meses se passaram e a bruxa conseguiu o que faltava para completar sua maldição. O que ela necessitava era de meu nome e um pouco de meu sangue, o que conseguiu matando a criança carregada em seu ventre durante todo o tempo em que planejava sua vingança. Sempre quieta e paciente. Passou então a viver de bruxarias por encomenda. Sacrificava animais e crianças, bebia sangue e cantava versos satânicos. Enquanto a velha esquelética contava toda sua história, a bruxa chorava de rir nos andares superiores. 

   Ao final percebi o meu erro. Por causa de falsas promessas e palavras toda a minha vida havia sucumbido. Agora eu era um escravo daquela bruxa malvada até os últimos dias de sua vida, ou então até meu fim. O que viesse primeiro.

0 comentários:

 

Melancholia Template by Ipietoon Blogger Template | Gadget Review